Da elite à democratização
Certo dia, chegou aos ouvidos de Joana Oliveira que havia alguém apreensivo a bordo. Depois do seu discurso, um passageiro perguntava a um comissário se estavam nas mãos de uma mulher-piloto. O tripulante tentou tranquilizá-lo. Mas a dúvida persistiu: «Não é com o voo que estou preocupado. É com a forma como vai estacionar o avião», confessou.
A comandante não levou a mal. «Uma mulher aos comandos tem sempre histórias engraçadas. As pessoas acham piada», conta a profissional, na TAP desde 2002. Corria 1989 e a companhia acabara de contratar a primeira mulher-piloto, Teresa Carvalho, que só viria a ter companhia feminina no cockpit em 1996. Ainda assim se havia funções mais masculinas, também existia o contrário. Inicialmente, era frequente chamar enfermeiras para hospedeiras, precavendo emergências. As viagens chegavam a demorar dias, como acontecia com a Linha Aérea Imperial. Quando, em 1946, foi admitido o primeiro comissário de bordo – e único até 1953 –, Lopes da Silva não escapou à paródia. Entre mulheres, era conhecido por Miss Lopes.
«As minhas chefes eram quase todas senhoras», recorda Georges Jeunehomme, que começou na TAP no início de 1970, como comissário de bordo. Mas, reflexo da época, «muito antes do 25 de Abril, os homens eram promovidos antes das mulheres», reconhece.
Nesse tempo, e até 1970, as assistentes de bordo tinham de ser solteiras. Não era de bom tom uma senhora casada passar muito tempo fora. Mesmo a trabalhar. «Entrávamos e realizávamos o sonho de miúdas, quando víamos as hospedeiras muito glamourosas nos aeroportos. Estávamos três anos e juntávamos dinheiro para o enxoval porque se ganhava acima da média», lembra Teresa Monteiro, que começou na TAP em 1966. Aí, como agora, o glamour era imagem de marca da aviação. Os tripulantes corriam mundo, quando o transporte aéreo ainda era pouco acessível. Apresentavam-se com elegantes uniformes. Passavam por cursos de línguas e cultura geral. «Fazíamos estadias grandes na África do Sul. Chegava a estar oito dias em Nova Iorque. Imagine o que era para uma miúda de 20 anos estar na Broadway. Nessa altura, as minhas amigas iam a Badajoz, se iam», comenta. Depois, as estadias encurtaram. «Tudo mudou nesse aspecto, no número de aviões e de tripulantes».
Como assistente de bordo de longo curso, em representação da TAP, Teresa participou num concurso internacional que anualmente elegia a Rainha do Ar. Durante uma semana, o júri analisava a postura, conhecimento e comportamento das candidatas. Trouxe o título de vice-rainha.
Também o comandante João Augusto Graça, 92 anos, e um dos pioneiros a pilotar na TAP, tem lembranças gratas da profissão. Começou em 1946. Inicialmente ganhava ao quilómetro e depois à hora. Recebeu seis contos como primeiro ordenado. Era navegador na rota para Madrid, a primeira da TAP. «Todos nós gostávamos daquela escala, que era mais um passeio turístico de luxo, tipo VIP, do que uma linha aérea», recorda. Destas viagens, trazia estadias confortáveis «no magnífico hotel na Gran Via, junto à Cibeles, que era o mais luxuoso de Madrid».
No final da década de 40, vieram as ligações a Paris, Londres, Sevilha. Nessa época, ir até à cidade espanhola e regressar custava 1.248 escudos e 40 cêntimos. E o preço do bilhete incluía as deslocações para o aeroporto e «merendas ou refrescos gratuitos». Por cada quilo a mais na bagagem, um extra de 7,20 escudos.
Em meados da década de 60, são lançados os voos para o Brasil. Primeiro com a Linha da Amizade, que prometia bilhetes a metade do preço para portugueses e brasileiros, depois para outras regiões, como o Rio de Janeiro. Neste voo, com duas escalas, no Sal (Cabo Verde) e Recife, que chegava à cidade maravilhosa mais de 18 horas depois de partir de Lisboa, a tripulação não dispensava alguns mimos.
«Uma vez atingida a altitude de voo, pedia para assarem no forno do avião as linguiças que tinha levado, transformando com este pitéu a crónica refeição de bordo num saboroso almoço», conta o comandante Graça, nas suas memórias. Era então que as iguarias portuguesas tomavam conta dos ares. «Alguns emigrantes embarcavam com o seu cesto de verga quadrado, vermelho, com duas asas, onde levavam o seu frango assado, por desconhecerem que se serviam refeições a bordo», continua o piloto, reformado desde 1980. Cumprido o voo, três dias de descanso em Copacabana.
Hoje os procedimentos são diferentes. «Podemos começar bastante cedo, e estar no aeroporto às 6 da manhã, para ir a Hamburgo, Frankfurt ou Londres e regressar. Nesses dias, estou em casa pouco depois da hora de almoço. Ou pode ser um voo para Paris e fico lá a dormir», descreve Pedro Alceu, de 26 anos. Piloto de médio curso, por norma não dorme mais de duas noites no mesmo destino. Nunca há rotina. Muitas vezes, cruza-se com colegas de outras companhias. «Em Helsínquia ficamos no mesmo hotel que as tripulações da British Airways. Em Accra, no Gana, acontece o mesmo».