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Revista dos Formadores
O desafio da formação em aeronáutica
Autora – Teresa Souto – Jornalista
Em Évora já são visíveis os pavilhões onde irão funcionar os dois centros de excelência da Embraer em Portugal. As primeiras contratações já foram efetuadas, a entrada em funcionamento das fábricas está prevista para o segundo semestre deste ano, prevendo, a empresa brasileira, ter as duas unidades em pleno funcionamento um ano mais tarde.
A Embraer planeia contratar 600 colaboradores e, pela sua experiência no mundo da aeronáutica, estima que, por cada posto de trabalho criado, dois outros surjam pelas mãos de empresas portuguesas, congéneres e fornecedoras, que, entretanto, se instalem na região. “O nosso desejo é que, entre diretos e indiretos, Évora e o Alentejo beneficiem de cerca de 2000 postos de trabalho”, diz Luiz Fernando Fuchs, presidente da Embraer Aviation Europe.
São projeções que entusiasmam formandos, formadores e demais envolvidos, tendo, sobretudo, em conta a conjuntura económico-financeira vivida pelo país e a subida dos níveis de desemprego verificada nos últimos anos.
Uma parte significativa dos colaboradores será formada pelo IEFP, em particular, pelos Centros de Formação Profissional de Évora e Setúbal, que irão assegurar esta formação inédita em Portugal.
Nascimento do projeto
O projeto para a construção dos dois centros de excelência iniciou-se em abril de 2007, com a celebração de um protocolo entre a Embraer e a AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, resultante de contactos feitos entre os dois países.
A decisão da Embraer para o seu investimento em Portugal, como afirma Luiz Fernando Fuchs, resultou, essencialmente, de dois fatores. Por um lado, a experiência industrial já adquirida no país desde 2005, em virtude da aquisição de 65% da Ogma – Indústria Aeronáutica de Portugal, através do consórcio Airholding. E, por outro, “o alinhamento entre a nossa estratégia corporativa e o objetivo do governo português de querer desenvolver a sua indústria aeronáutica”.
A estes fatores, o responsável junta ainda outros argumentos: “quer na indústria, quer nos organismos públicos centrais e regionais, desde o início que encontrámos pessoas competentes e determinadas a transformar ideias em resultados. Além disso, encontrámos uma excelente infraestrutura que facilita a mobilidade de pessoas e bens, além de continuar a um país muito agradável para viver e com uma cultura muito familiar para o Brasil.”
Luiz Fernando Fuchs diz que as duas empresas de Évora assumem “uma importância estratégia para a Embraer”, dispondo de um conjunto de tecnologias nas respetivas áreas que é único no seio do grupo. Razão pela qual as designaram de “Centros de Excelência”. Uma das unidades irá construir estruturas complexas em materiais metálicos e a outra, segmentos de aeronaves em compósitos. A produção de ambas tem como destino a casa-mãe no Brasil.
Responder ao desafio
Para responder à necessidade de mão de obra qualificada da Embraer, em 2008 foi assinada uma carta de compromisso entre o IEFP e a empresa brasileira, que previa que o Instituto, no âmbito da sua rede de Centros de Formação Profissional, garantisse a formação dos técnicos a admitir para estes centros de excelência. E, logo, nesse ano, se começou a trabalhar na preparação da oferta formativa para a área da aeronáutica.
Um dos passos iniciais consistiu na produção de novos referenciais de formação, que se encontram integrados no Catálogo Nacional de Qualificações (CNQ) desde junho de 2009. Desse trabalho, que teve a participação ativa da Embraer e do IEFP, e foi coordenado pela Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), resultaram quatro novos referenciais – Técnico de Produção Aeronáutica – Montagem de Estruturas; Técnico de Tratamento de Metais – Processos Especiais Aeronáuticos; Técnico de Produção e Transformação de Compósitos e Técnico de Programação e Maquinação CNC. Foram, ainda, criadas Unidades de Formação de Curta Duração (UFCD) em Logística e Qualidade Aeronáutica, que integraram referenciais de formação já disponíveis no CNQ.
Por outro lado, foi preciso dotar de condições os dois centros de formação escolhidos. O CFP de Évora, instalado na região onde irão funcionar as fábricas, foi uma escolha óbvia. Além disso, optou-se também pelo CFP de Setúbal, devido à sua proximidade geográfica à região de Évora e também a várias empresas do setor – a Lauak Portuguesa-Indústria Aeronáutica, que funciona em Setúbal; a Listral-Estruturas Aeronáuticas, em Loures; e a Ogma, em Alverca. Considerou-se, igualmente, a relevância de algumas destas formações para a indústria automóvel.
Luís Silva, diretor do CFP de Évora encara esta iniciativa como “uma possibilidade de o centro se modernizar e de estar na primeira linha da resposta às necessidades de formação para a indústria aeronáutica”. Carla Filipe, chefe de serviços e responsável pelo CFP de Setúbal, sublinha o desafio abraçado pelo centro: “Normalmente qualificamos profissionais para diversas empresas inseridas na mesma área setorial, neste caso estamos a qualificar todas as necessidades de recursos humanos manifestadas pela Embraer. Não é usual. É uma responsabilidade muito maior e acrescida. Nós próprios aprendemos todos os dias, pelas especificidades e pela exigência a que esta área também nos obriga. Queremos todos os dias melhorar um pouco de cada vez”.
Em Évora foi necessário construir um edifício de raiz, que se encontra atualmente em fase de acabamento. O edifício tem uma estrutura que segue o modelo de uma linha de produção em que as diversas valências formativas estão integradas de uma forma mais ou menos sequencial e incluem áreas oficinais, de formação teórica e laboratórios”. Em Setúbal, foram realizadas obras em instalações já existentes, de modo a criar espaços oficinais específicos e adequados à formação aeronáutica.
A definição de todas estas intervenções, bem como dos equipamentos a adquirir, coube ao IEFP com o contributo da Embraer, das empresas Lauak, Listral e do Instituto Politécnico de Setúbal/Escola Superior de Tecnologia de Setúbal.
Sendo a aeronáutica um mercado sem grande tradição em Portugal, aos formadores – recrutados sobretudo na área da engenharia – é proporcionada uma formação técnica que os habilite ao tratamento dos conteúdos específicos da montagem e fabricação aeronáutica e ao desenvolvimento de atividades práticas. Todo este processo – obras, equipamentos e formação de formadores – contou com um orçamento de cinco milhões de euros.
Seleção de formandos e início da formação
Os cursos são dirigidos a candidatos de todo o país, com idades entre os 18 e os 33 anos, com o 9.º ano ou o 12.º ano de escolaridade completo e com formação em áreas técnicas (preferencialmente). De forma a garantir a homogeneidade de critérios no processo de seleção foi definida, pelo IEFP, uma metodologia de atuação, em estrita articulação com a Embraer, com a coordenação dos serviços centrais e o envolvimento das delegações regionais, e dos centros de emprego de todo o país Além dos candidatos oriundos das zonas da área de influência dos dois centros de formação onde vão decorrer as ações de qualificação, houve uma adesão significativa de candidatos de diversos pontos do país, nomeadamente, da zona Norte e do interior, e, também, do Algarve.
Durante a frequência dos cursos, os formandos podem receber apoios sociais, nomeadamente, bolsa de formação, subsídio de refeição, de transporte, de acolhimento e de alojamento, caso estejam longe da sua residência.
Tendo em conta a necessidade de mão de obra a curto prazo, privilegiou-se a realização de cursos EFA (Educação e Formação de Adultos) tecnológicos e a Formação Modular certificada, dirigidos a candidatos já detentores do ensino secundário.
Em Setúbal, onde as intervenções em termos de estruturas foram menos profundas, a formação pôde começar ainda em 2010, com a realização de um curso EFA de dupla certificação e dois cursos EFA tecnológicos. Em 2011, deu-se início a mais catorze cursos EFA tecnológicos e foram ainda realizadas várias ações de Formação Modular certificada em Logística e Qualidade. O Centro de Formação Profissional de Setúbal tem envolvidos nesta formação mais de 280 formandos, sendo que cerca de 50 já terminaram os seus percursos formativos.
Já em Évora, onde a formação se iniciou em 2011, optou-se por realizar grande parte das ações no âmbito da formação modular certificada. “Considerando que os percursos formativos dos cursos EFA são longos, foi articulado entre o Departamento de Formação Profissional do IEFP e a Embraer, um conjunto de módulos considerados os necessários para uma formação adequada aos potenciais futuros operadores da empresa”, explica Luís Silva. Desta forma, e sem prejudicar a qualidade da formação, foi possível com uma carga horária inferior responder atempadamente às necessidades de recrutamento da Embraer, podendo estes formandos, já integrados no mercado de trabalho, virem a concluir a sua qualificação posteriormente. “No caso da maquinação CNC, fazemos um EFA porque é uma formação transversal, que pode ser usada na indústria dos moldes, na indústria automóvel e de outras metalomecânicas.”
Expetativas
Embora a formação em aeronáutica tenha sido impulsionada devido ao investimento da Embraer em Portugal, esta visa responder a necessidades do mercado de trabalho nacional, até porque não existe garantia de que a empresa contrate todos os técnicos formados pelo IEFP. Concluído o percurso formativo, estes serão submetidos a um processo de seleção pela empresa brasileira. No entanto, e como lembram os responsáveis entrevistados, tem-se constatado que as empresas que operam nesta área referem dificuldades no recrutamento de profissionais qualificados, pelo que os novos técnicos podem vir a obter emprego junto das empresas já existentes no país, e também nas que venham a instalar-se em Évora ou na periferia, no decurso da entrada em funcionamento dos dois centros de excelência.
Nos seus futuros colaboradores, a Embraer procura “competências técnicas adequadas ao posto de trabalho”, bem como, “a atitude certa e uma vontade de aprender e evoluir com a empresa”. Sendo um setor com “elevada intensidade tecnológica”, é necessário que os futuros profissionais se empenhem em “adquirir e atualizar em contínuo a sua base de conhecimento”. Ou seja, a Embraer procura “pessoas que demonstrem uma forte vontade de aprender ao longo da vida” e que possam “quer em termos de formação formal em sala, quer sobretudo no posto de trabalho, apreendendo experiências, sabendo trabalhar em equipa e melhorando na sua capacidade de tomar decisões na sua esfera de responsabilidade”, como afirma Luiz Fernando Fuchs.
Entre os formandos está bem patente a vontade de atingir esse objetivo, verificando-se um elevado empenho de todos os participantes. “A expectativa é elevada e nós esperamos que na possibilidade real no mercado de trabalho. O primeiro grupo que já está em formação em contexto de trabalho teve um desempenho muito bom, tal como o segundo grupo está a ter”, refere Luís Silva. O mesmo atesta Carla Filipe: “o mercado não está fácil, o desemprego é muito grande e sentem que pode estar aqui a oportunidade por que esperam tão ansiosa. Temos tido muito boas avaliações e temos encontrado muito bons profissionais. Apesar de ser uma área nova, são pessoas que conseguem aprender e com rigor”.
Também para os formadores esta iniciativa constitui uma oportunidade nas suas vidas profissionais (ver caixa 1). “Encaram-na como um desafio por ser uma área nova. É uma área de futuro e pode constituir para eles uma oportunidade de trabalho e do alargamento do seu leque de competências, porque é uma área que não tem sido desenvolvida até agora”. Aspetos também referidos por Carla Filipe: “Está a ser muito aliciante porque lhes permite crescer profissionalmente numa área que não esperavam. Está também a abrir-lhes uma porta do mercado de trabalho. A maioria dos formadores foram pessoas que deixaram aqui o seu currículo ou que estão inscritas nos centros de emprego. São pessoas que estavam a precisar de se sentir úteis e que veem que toda a formação que fizeram a nível superior tem aplicação”.
A expectativa face a este projeto é também elevada no que respeita ao desenvolvimento da região. Para Luís Silva, constitui o “arranque para uma nova Era de desenvolvimento económico e social da cidade, da região e, naturalmente, do país”. Este responsável acredita que, primeiro, a entrada em laboração dos dois centros de excelência e, depois, a previsível instalação de outras empresas irão permitir “um aumento da oferta de trabalho, de desenvolvimento de recursos humanos, de fixação de população e até de atração de população jovem para a região”.
Quatro dos técnicos formados em Setúbal foram já selecionados pela Embraer, encontrando-se atualmente a fazer uma especialização na Ogma. Muitos outros se lhes seguirão daqui até 2015.
Neste momento está a decorrer a contratação de 40 colaboradores, de entre os que fizeram a formação nos Centros de Formação Profissional do IEFP, que, após um estágio de três meses na empresa no Brasil, serão integrados como trabalhadores da Embraer em Évora
EMBRAER – Parcerias e relações institucionais
Em parceria com a AICEP, a Embraer organizou um programa dirigido a empresários portugueses, para os aproximar da realidade da indústria aeronáutica e informá-los sobre desafios e oportunidades. Na prática, isto traduz-se pela organização de missões ao Brasil e por ações de aplicação no posto de trabalho de alguns desses conhecimentos, orientados para as necessidades de um cliente como a Embraer. Luiz Fernando Fuchs refere que, “desse trabalho, tem resultado um conjunto de empresas aptas a receber pedidos de propostas nessas mesmas propostas, poderão se tornar nossas fornecedoras”.
Este é, segundo o presidente da Embraer Aviation Europe, um processo semelhante ao que a empresa desenvolveu no Brasil e que espera que, “com tempo, reforçará a capacidade das empresas portuguesas fornecerem clientes na indústria aeronáutica”.
O responsável diz que a Embraer encontrou em Portugal “um enorme empenho por parte de todas as entidades, trabalhando com muito profissionalismo no objetivo de verem os nossos dois investimentos implantados e sustentados no longo prazo”. Entre estes, refere o IEFP como “um dos exemplos de referência”, com “a motivação adicional de o trabalho em curso ter como alvo toda a indústria aeronáutica portuguesa.” “Tem sido para nós um enorme prazer poder partilhar com o instituto a nossa experiência no Brasil, esperando que, através do IEFP, esta possa beneficiar todas as entidades que recrutem os profissionais em preparação.”
Formadores em aeronáutica
A contratação de formadores Tem constituído um dos maiores desafios de todo este processo, já que, sendo ainda escassa a indústria aeronáutica em Portugal, não foi fácil encontrar especialistas, que, além de reunirem as competências necessárias, nomeadamente, as decorrentes da experiência prática, tivessem, desde logo, disponibilidade para assumir a tarefa. Acresce a este facto, a impossibilidade legal de contratar reformados como formadores, face ao estipulado na Lei do Orçamento de Estado.
Após a formação do primeiro grupo de formadores outras ações já estão em marcha, desta vez, asseguradas por especialistas portugueses, e com uma forte componente prática.
Com o objetivo de criar uma bolsa de formadores, em 2011 decorreu um seminário nos CFP de Évora e Setúbal, dinamizado pela Embraer, para o qual foram convidados licenciados nas áreas de formação que se aplicam a este caso – engenharias aeronáutica, químicas, mecânica e eletrotécnica, e gestão industrial – inscritos nos centros de emprego, bem como outros profissionais que tinham feito chegar os seus currículos aos CFP.
“Depois disso, tivemos uma pequena seleção, cingimo-nos a áreas mais necessitadas e em que estávamos mais fragilizados, em termos de contratação e com os serviços centrais e a Delegação Regional de Lisboa estruturámos ações de formadores nas três áreas que trabalhamos”, refere Carla Filipe.
O CFP de Setúbal iniciou em 2011 duas ações de formação técnica para formadores e prevê realizar mais uma no decorrer deste ano.
No CFP de Évora foi efetuada uma formação em cultura aeronáutica a um grupo de 20 engenheiros potenciais formadores. Aqui, como refere Luís Silva, foi possível que outros quatro potenciais formadores frequentassem uma ação de formação em indústria aeronáutica, realizada pela Embraer neste centro.