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Foi há 50 anos a história do primeiro desvio de um avião comercial

Operação Vagô

KAnahory 10 Novembro 2006

Esta é a história que tantas vezes ouvi, durante a minha vida, contada pelos meus tios, o Comandante José Sequeira Marcelino e a hospedeira Maria Luísa Infante. Hoje, 45 anos passados, vou aqui contá-la…
Marrocos, 10 de Novembro de 1961, o Super-Constellation da TAP, Mouzinho de Albuquerque, descola do aeroporto de Casablanca com destino a Lisboa. O seu Comandante, José Marcelino, a tripulação e 13 dos passageiros, não podiam imaginar que iam ficar na história da aviação e na história da luta contra o regime de Salazar.
Cerca de 45 m após o início do voo, Hermínio da Palma Inácio, entra no cockpit e aponta um revolver à cabeça do Comandante, explicando que o avião estava a ser assaltado. O objectivo era lançarem sobre Lisboa, Barreiro, Setúbal, Beja e Faro, 100 000 folhetos, denunciando as eleições para a Assembleia Nacional que se iam realizar 2 dias depois e incitando à revolta contra o regime de Salazar, regressando depois a Tânger onde Palma Inácio e os seus 6 companheiros, deviam obter asilo político. Esta operação planeada por Henrique Galvão tinha o nome de “Operação Vagô”.
O Comandante Marcelino, mantendo uma calma e uma presença de espírito enormes, ainda tentou impedir esta operação, alegando que o avião não tinha combustível para um voo de ida e volta a Marrocos, e que era impossível abrir as janelas do avião para lançar os folhetos. Mas, Palma Inácio mecânico de aviões, tinha uma licença de piloto de aviões comerciais e não se deixou convencer.
Sendo da sua inteira responsabilidade a vida da tripulação e dos passageiros, bem como o avião, O Comandante José Marcelino não teve outra hipótese senão obedecer.
O voo seguiu sem quaisquer problemas até Lisboa. Ao aproximar-se do aeroporto da Portela, o Comandante pede autorização para aterrar e faz uma simulação de aterragem tão perfeita que Palma Inácio exclama: “Que está a fazer? Se aterra somos todos presos”. Mas, no último momento, acelera os 4 motores do super-constellation, ganha altitude a afasta-se do aeroporto. Ainda tenta explicar à torre de controlo o que se passava a bordo, mas sem sucesso.

Estava assim iniciado o histórico voo.

Rasando a cidade de Lisboa, voando a cerca de 100 m de altitude (quase rasando na Estátua do Marquês de Pombal), evitando assim os radares e os dois caças Sabre, que entretanto tinham descolado de Monte Real com ordem de interceptar e abater o avião, caso este não aterrasse em solo português (ordem que os pilotos dos caças não cumpriram), o avião segue sempre a baixa altitude passando pelo Barreiro, Setúbal, Beja e Faro, enquanto os companheiros de Palma Inácio, ajudados pelo Comissário Orlof Esteves e pelas Hospedeiras Maria Luísa Infante e Maria del Pilar Blanco, enchiam os céus de Portugal com os 100 000 folhetos.
Mas, os sustos ainda não tinham acabado. Já, de regresso a Marrocos, os pilotos avistam 2 navios de guerra portugueses. Só havia uma hipótese de escapar. Era voar a meia dúzia de metros acima da água por entre os dois navios, impedindo-os, assim, de utilizarem a artilharia, pois se o fizessem disparavam um contra o outro. Foi a incrível proeza que o Comandante Marcelino conseguiu.
A calma, sempre mantida a bordo deveu-se ao bom ambiente entre “assaltantes”, que nunca mostraram as suas armas aos passageiros, e tripulação que além de ajudar a distribuir os folhetos, manteve os passageiros “entretidos” distribuindo-lhe bebidas.
Foi só quando aterraram em Tânger, no meio dos festejos pelo êxito da operação, que os passageiros, na maioria estrangeiros, perceberam o que se tinha passado.
Apesar das pressões do Governo português para que Marrocos extraditasse Palma Inácio e os restantes “Comandos”, eles conseguiram ir para o Brasil.
Depois de obter garantias que o avião não estava armadilhado, o Comandante Marcelino regressou a Lisboa, sem que nada tivesse acontecido aos passageiros, à tripulação e ao avião.
Mas, para ele, os problemas iam começar. Considerado suspeito de cumplicidade, pois, a sua escala era o Porto e não Casablanca e, foi a seu pedido que fez o voo de Casablanca/Lisboa, tendo como única razão a vontade de estar perto daquela que viria a ser a sua mulher, a hospedeira Luísa Infante, foi suspenso da TAP durante um mês e interrogado diversas vezes pela PIDE, pois nunca quis dar a conhecer a verdadeira razão para ter feito aquele voo.
Ilibado de qualquer envolvimento no desvio do avião continuou como Comandante da TAP até à idade limite para pilotar, tendo atingido 25 000 horas de voo, mantendo-se ao serviço da TAP e da aviação até aos 80 anos de idade.
Passaram-se 36 anos até que Palma Inácio e o Comandante Marcelino se voltaram a encontrar, num almoço organizado pela Revista Visão em 1998, com todos os intervenientes naquela extraordinária aventura, cujo êxito se ficou a dever, em grande parte à perícia e experiência daquele que tinha sido um dos principais pilotos de caça da força aérea dos anos 30 e 40 e um “Ás” da aviação.
Peço desculpa pela extensão do texto e pelo destaque que dei ao meu Tio, o Comandante Marcelino mas, que espero compreendam, visto tratar-se da primeira vez que esta história é escrita por uma sua sobrinha.

“A Bola” Filipe Reis 11 de Novembro 2011

Operação Vagô foi há 50 anos
Sexta-feira, 10 de Novembro de 1961. Eram 9.15 horas quando o Super-constellations Mouzinho de Albuquerque, avião da TAP, descolou do Aeroporto de Casablanca, em Marrocos. A bordo seguiam 18 passageiros, entre os quais seis revolucionários, chefiados por Palma Inácio. Ontem, 50 anos depois, as memórias foram desfiadas à mesa, num jantar em Lisboa.
«Operação Vagô», assim se chamou a acção de luta contra a ditadura de Salazar que envolveu o desvio de um avião entre Casablanca e Lisboa. Foi a primeira acção do género e serviu para distribuir panfletos anti-salazaristas.
Palma Inácio, Amândio Silva, Maria Helena Vidal, Camilo Mortágua, Fernando Vasconcelos e João Martins foram os seis magníficos que levaram a cabo uma operação que, em conjunto com outras que se seguiram, abalaram o regime salazarista.
Ontem, num restaurante em Lisboa, cerca de meia centena de pessoas reuniram-se para comemorar os 50 anos da «Operação Vagô». Desfiaram-se memórias, contaram-se histórias e reviram-se velhos amigos, cuja opinião em relação ao futuro é unânime: ninguém pode ficar de braços cruzados.

100 mil panfletos espalhados
O capitão Henrique Galvão foi o autor do texto imprimido em 100 mil panfletos, que acabaram por ser lançados quando o avião sobrevoou Lisboa, Barreiro, Beja e Faro.
A BOLA falou com Amândio Silva, a quem coube informar os passageiros do que estava a acontecer.
«Lembro-me perfeitamente do que lhes disse. Quando chegámos a Tânger tinha a obrigação de lhes explicar o porquê daquele atraso. Primeiro falei em francês, depois em inglês. Disse-lhes que tinham colaborado num momento histórico, no sentido que participaram numa acção contra a ditadura portuguesa e que esperava que não tivessem tido nenhum incómodo. Aliás, é de salientar que nenhum dos passageiros reclamou. Havia dois portugueses a bordo, desconfiávamos que eram da PIDE, mas nunca chegámos a saber se eram ou não. Ainda lhes vimos as malas de cabina e, aparentemente, eram pessoas ligadas à área comercial», recordou.
Amândio Silva sente que voltaria a fazer tudo o que fez. Um homem de coragem que diz nunca ter sentido medo e que quando viu os panfletos a esvoaçar congratulou-se por ver cumprida a missão em que se envolveu.
«É evidente que valeu a pena. Estamos numa altura muito difícil, mas não nos podemos esquecer que Portugal já atravessou grandes dificuldades em toda a sua história e agora vai ter, de novo, de escolher um rumo. Medo? Não tive. Só um nervoso miudinho até conseguir entrar no avião. Uma pessoa muito importante nesta acção foi o mecânico de bordo, de seu nome António Coragem, que foi ao porão buscar as sete malas que carregavam os panfletos. Lembro-me que o Palma e o Camilo ficaram na frente do avião, o Vasconcelos no meio, o João Martins a tomar conta dos dois portugueses que estavam sentados na última fila, e eu e a Maria Helena é que atirámos os panfletos», contou, emocionado.

Luís Vaz, investigador do evento
Luís Vaz, presidente da APLP (Associação Promotora do Livre Pensamento), historiador e investigador do evento, que já escreveu «Palma Inácio e o golpe dos generais», «Palma Inácio e o desvio do avião», «Palma Inácio e o assalto à Figueira da Foz» e «Palma Inácio e o cerco à Covilhã», foi o organizador do jantar comemorativo dos 50 anos da «Operação Vagô».
«São acontecimentos que envolveram personagens, todos eles jovens, que estiveram ligados à história. Para além das bibliotecas que consultei, promovi encontro com os quatro membros do comando que estão vivos e depois fiz a viagem que eles fizeram há 50 anos. Em relação ao presente é preciso o combate permanente, sobretudo por valores. Há movimentos cívicos que são importantes e estão a renascer. É preciso fazer qualquer coisa para criar esperança», disse.

Alípio de Freitas orgulhoso
Figura de destaque no jantar comemorativo do 50.º aniversário da «Operação Vagô», foi Alípio de Freitas, revolucionário que foi viver para o Brasil em 1957, onde viveu nas favelas e ajudou a fundar as Ligas Camponesas, um movimento radical que entre outras iniciativas organizava ocupações de terras. Mereceu uma canção-homenagem por parte de José Afonso, que no álbum Com as minhas tamanquinhas se lhe refere.
«Estava no Brasil, mas recordo-me bem da façanha dos amigos. Fala-se de muitas coisas do que foi a derrota do fascismo, e esquece-se estes factos que foram muito importantes. Não foi um acto isolado, seguiram-se outros igualmente importantes. Cada vez acho que sem estes actos nada tinha acontecido. Arriscaram e abalaram o sistema e até no Brasil a «Operação Vagô» foi saudada com muito entusiasmo. Estes actos não podem ser lembrados só quando fazem 50 anos», afirmou.
Alípio de Freitas, que já colaborou com a A BOLA, faz questão de realçar a importância do jornal na divulgação da Língua portuguesa:
«A BOLA estar aqui nesta comemoração é algo de fenomenal. Aliás, o jornal A BOLA era o único jornal português que se lia em todo o Mundo e foi um meio de divulgação da língua portuguesa, escrito num português excelente. Lembro-me de estar no Brasil à espera que o jornal chegasse às bancas e nós à espera, o jornal era disputado, e depois quem não conseguia comprar tinha de esperar que alguém acabasse de ler.