José de Sousa, secretário-geral do SITAVA, critica a posição da Comissão Europeia sobre o plano de reestruturação e diz que a Comissária Vestager está a promover a concentração no sector da aviação
O conhecimento público da carta da Vice-Presidente da Comissão Europeia, Margrethe Vestager, acerca do plano de restruturação da TAP, de entre outras novidades, teve também o mérito de mostrar a todos os portugueses que o estranho atraso na aprovação do referido plano não foi devido ao excesso de trabalho como chegou a ser sugerido pelas autoridades portuguesas, mas teve, isso sim, outro motivo que parece ficar agora bem mais claro. Com a posição agora tornada pública, a Comissão Europeia parece ter revelado a sua real intenção de aproveitar a pandemia para dar mais um passo no sentido da concentração previamente decidida, sacrificando os interesses nacionais por oposição a um claro benefício dos grandes grupos do transporte aéreo europeu. Como é do conhecimento de todos nós, a pandemia colocou todo o setor aéreo a nível mundial numa situação dramática em termos de sobrevivência. Daí resultou que os estados soberanos foram forçados a fazer enormes financiamentos com fundos públicos, para evitar a rotura das tesourarias e o colapso das respetivas companhias. Na Europa não foi diferente e todas as empresas, grandes e pequenas, se apressaram a submeter à Comissão Europeia os respetivos pedidos. A resposta foi rápida com a aprovação de todos eles exceto aquele que foi submetido pelo Governo português, no valor de 1,2 mil milhões de euros, para acudir à TAP. Melhor dizendo: a Comissão Europeia, em boa verdade, também aprovou o pedido de financiamento à TAP, mas com uma particularidade. Argumentando que o grupo TAP já tinha problemas económicos, o financiamento teria que ser devolvido no prazo de seis meses. Ou seja, a TAP, que na versão do acionista privado que então a geria, foi apanhada pela pandemia num momento de avultados investimentos e próspero crescimento, foi propositadamente segregada acentuando-lhe ainda mais essas dificuldades, condenando-a a um futuro incerto. Alguém de boa-fé compreenderá esta decisão?
Diz a referida carta da Vice-Presidente Margrethe Vestager que a Comissão Europeia reconhece a importância da TAP para o nosso país, que o seu colapso seria desastroso a vários níveis, principalmente para emprego e para a balança comercial, que as viagens de longo curso dos portugueses passariam a ser mais longas porque deixariam de ser diretas e que seria altamente prejudicial para o turismo português, de entre muitos outros danos que causaria. Perante tudo isto, não podemos deixar então de nos interrogar quanto ao seguinte:
Sabendo a Comissão Europeia tudo isto que reproduz na carta, mesmo assim diz-nos: ok, tudo isto é verdade, mas a TAP tem que ser reduzida na sua dimensão e capacidade, e tem também que ceder à concorrência parte da atividade mais rentável. Por absurdo, se isto se concretizasse onde é que ficava, então, o interesse nacional?
Mas há mais. Esta decisão da União Europeia tem que ser analisada também noutra dimensão. Diz-se que um país soberano e desenvolvido só o é, de facto, quando o seu povo puder beneficiar do progresso trazido por esse desenvolvimento. Seria exatamente este o resultado desta decisão da UE, ou seria o contrário?
Façamos então a abordagem a esta decisão da UE pelo lado do emprego que, como diz a carta, ficaria claramente em perigo. Recorde-se que a TAP, sem ser uma empresa tecnológica no sentido mais puro do termo é, ainda assim, geradora de abundante emprego altamente qualificado que não existe em mais parte nenhuma do país. Na TAP, como se sabe, coexistem múltiplas profissões e categorias profissionais altamente especializadas, tanto no pessoal navegante, como no pessoal de terra, que constituem um cluster insubstituível e vital exatamente para que Portugal possa cumprir o desiderato de se afirmar, cada vez mais, como país desenvolvido. Parece-nos, pois, que, também por este prisma, facilmente se depreenderá que a posição da União Europeia se manifesta em clara oposição aos mais elementares interesses do nosso país. Não será certamente defensável que este emprego altamente qualificado, a ser destruído, possa ser substituído por uma qualquer operadora aérea que aterre em Lisboa nem que seja uma dúzia de vezes por dia. Mas não é tudo. Ainda no campo do emprego, e sobretudo do emprego com direitos, é bom que se saiba que a realidade laboral existente no setor da aviação e aeroportos é extremamente débil e lesiva para os trabalhadores. Podemos mesmo afirmar, com o conhecimento que temos do setor, que os aeroportos nacionais são um dos locais onde existe maior índice de precariedade no país. Só na região de Lisboa, dos cerca de cinco mil postos de trabalho já destruídos com a pandemia, mais de 90% deles eram precários. Ora, qualquer decisão que venha enfraquecer a TAP e o seu desempenho irá seguramente contribuir também para aumentar este flagelo social da contratação precária e do trabalho temporário.
Sabe-se que em Portugal existem correntes de opinião que aceitam, e até defendem, que a dependência em relação à União Europeia é uma inevitabilidade decorrente da adesão, e que é uma vantagem para o nosso país. Discordamos em absoluto dessa ideia e estamos convictos de que quem a defende teria muitas dificuldades em demonstrar a sua validade.
Com estas interrogações, nada mais se pretende do que chamar a atenção dos trabalhadores portugueses para esta realidade: nem sempre aquilo que aparece plasmado nas decisões da União Europeia é o resultado de justas e profundas reflexões independentes. Diz-nos a experiência e o conhecimento que vamos tendo nesta matéria, que, muitas vezes, o sentido das decisões adotadas pela Comissão refletem menos o interesse nacional dos pequenos países como o nosso e mais os objetivos das grandes potências, essas sim, com vasta capacidade para influenciar. Portugal não se pode distrair. A TAP é comprovadamente insubstituível e indispensável para o desenvolvimento do nosso país.
A atual pandemia está a pôr o mundo à beira do abismo com consequências dramáticas nos planos económico e social. Na aviação vive-se a maior crise da sua história, acentuando-se a incerteza quanto ao ...